quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Justiça autoriza saída de presos no fim do ano com horário estendido

 Cerca de 2 mil presos do regime semiaberto do Rio Grande do Norte, que usam tornozeleira eletrônica, estão tendo direito a uma saída temporária estendida neste final de ano, segundo portaria da 1ª Vara de Execuções Penais do RN. Ao invés de retornarem às suas residências às 20h, os presos ficam autorizados a voltar para casa às 00h. A autorização engloba o período de 24 a 31 de dezembro.


A medida não contempla todos os presos do regime semiaberto do Estado, pois segundo a Seap apenas a Vara de Execuções Penais de Natal emitiu portaria semelhante. O texto é assinado pelo juiz Henrique Baltazar dos Santos.

“Como os presos da minha região são tornozelados, então a saída temporária foi colocada com essa mudança de horário. Lembrando que todos eles já estavam em prisão domiciliar, então ninguém saiu da cadeia para essa  saída não. Os presos do regime fechado, incluindo os provisórios, não têm esse direito não”, explica o magistrado.

De acordo com a portaria, a saída temporária será até o dia 31 de  dezembro deste ano e os presos precisam cumprir regras, como “não cometer qualquer infração que configure crime ou contravenção penal”; “não frequentar lugares onde se praticam condutas ilícitas, como locais onde se usam ou vendem drogas ou exista jogo ilegal ou prostituição”; “não ingerir bebida alcoolica, drogas ilícitas ou qualquer substância de efeito análogo”; “recolher-se à sua residência até 24h, diariamente”. A portaria aponta ainda que nenhum apenado necessitará de autorização específica para viajar a outra cidade no período da saída temporária.

Provisórios

Dois em cada dez presos no Rio Grande do Norte não tiveram seus julgamentos concluídos junto à Justiça, sendo considerados presos provisórios. Ao todo, o Estado possui 2.831 apenados temporários, de um total de 12.119, segundo dados da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap). A nível nacional, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem  cerca de 400 mil presos provisórios.

De acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça, a partir do Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) crimes como roubo, tráfico de drogas, furto, homicídio e lesão corporal são as infrações mais registradas entre os apenados do sistema penal potiguar. Das 19.546 execuções penais em tramitação, que inclui regime fechado, penas alternativas, medidas de segurança e livramentos condicionais, a  maioria dos sentenciados são homens, de 30 a 40 anos e de 18 a 29 anos, representando 66% de todas as execuções penais.

Para o juiz titular da 1ª Vara de Execuções Penais do RN, Henrique Baltazar dos Santos, os presos provisórios fazem parte de uma problemática nacional, que envolve dois fatores: a legislação nacional e a falta de infraestrutura no judiciário.

“Um dos motivos é nossa legislação, porque um processo criminal demora muito a terminar, porque os réus ficam recorrendo. Às vezes é condenado, entra-se com recurso, vai para instancias superiores, STJ, STF. Outro motivo é a estrutura da justiça. Infelizmente o judiciário foi montado para uma quantidade de processos que deveria ter e temos muito mais. Então o judiciário não dá conta da demanda”, lembra.

“Um preso provisório pode ser alguém que foi preso ontem, então não deu tempo terminar o processo criminal, que demora um certo tempo. A preocupação que existe é com os presos provisórios há mais de um ano, isso é algo grave que precisa ser corrigido”, analisa.

A nível nacional, segundo dados do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), o Brasil possui de 40 a 45% de sua população carcerária como preso provisório.

“Foi feita uma análise do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões há alguns meses e o CNJ constatou que esse número está errado, que há uma má alimentação do BNMP. Consta no sistema uma quantidade superior a real. A gente calcula que cerca de 40 a 45% dos presos do País são provisórios. Esperamos que até março do próximo ano estejamos com os dados corretos” aponta Baltazar.

Em fevereiro de 2021, data em que as audiências de custódia completaram cinco anos em todo o Brasil, o Conselho Nacional de Justiça disse que “a prática criou novos fluxos no sistema de justiça criminal, contribuindo para a redução de 10% da taxa de presos provisórios no país”.

Para a advogada Kátia Nunes, presidente da Comissão Especial de Segurança Pública e Política Carcerária da OAB-RN, a Justiça precisa dar celeridade aos julgamentos dos presos.

“Os mecanismos de defesa precisam ser assegurados para que o apenado tenha todos os meios. A Constituição diz isso. Se existe previsão legal, eles têm que ser oportunizados. Agora o julgamento desses recursos é que precisa ser célere. São essas medidas que o CNJ cobra: celeridade em decisões judiciais”, explica.

Cai o número de provisórios no País

A taxa de pessoas presas sem condenação, os chamados presos provisórios, chegou em 2021 a 28,5% do total de detentos no País. A proporção é a menor registrada nas cadeias brasileiras desde 2005 e consolida uma tendência de queda notada desde 2015, quando as audiências de custódia começaram a ser implementadas. Em 2014, a taxa havia chegado a 40,1%, recorde deste século, em meio a um sistema carcerário historicamente precarizado.

As audiências de custódia consistem na apresentação da pessoa presa a um juiz em um prazo de 24 horas para que seja avaliada a legalidade da prisão e a necessidade ou não de prorrogá-la. Um levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça mostra que em 40% das 891 mil audiências realizadas desde 2015 o suspeito teve a liberdade concedida.

Isso não significa uma decisão de absolvição, mas, sim, que a prisão no momento não era estritamente necessária, podendo ser substituída por outras medidas, como comparecimento periódico à Justiça. O suspeito, assim, segue respondendo a um processo criminal. A questão dos presos provisórios é central, segundo especialistas, para entender os problemas do sistema penitenciário brasileiro.

Há sete anos, diante de uma taxa recorde de pessoas presas sem condenação, as audiências de custódia começaram a ser implementadas em São Paulo, no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste. A adoção do modelo não ocorreu de forma consensual e motivou mobilização de críticos contra a política, que apontavam riscos na soltura de suspeitos e ilegalidade no formato adotado. A medida acabou chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, as audiências ocorrem em todos os Estados brasileiros.

Pioneiro, o Estado de São Paulo lidera de forma disparada o ranking nacional, com 260.098 atendimentos, seguido pelo Paraná (91.084) e Minas Gerais (80.187). Em Goiás foram realizadas 42.603 e no Rio de Janeiro, 40.546 audiências. O Estado com menor número de audiências realizadas é Roraima, com apenas 305.

De acordo com o juiz Luís Lanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, as pessoas precisam entender melhor o procedimento. “Nesses sete anos, os poderes públicos envolvidos entenderam a contribuição das audiências de custódia para qualificar a prestação de justiça e para maior racionalidade na porta de entrada, inclusive no campo dos gastos públicos”, disse.

Conforme o advogado criminalista Leonardo Pantaleão, a audiência de custódia é uma proteção social importante e representa uma estratégia de enfrentamento aos desafios da privação de liberdade no Brasil, marcada por um crescimento desordenado e por condições precárias de encarceramento.

“É um instituto extremamente importante. Os números da violência policial caíram demais com a audiência de custódia. Antes, só eram disponibilizados para o juiz os registros e documentos da prisão. Agora o juiz vê também a pessoa, conversa com ela e verifica se apresenta algum dano físico e a forma como foi tratada durante a prisão.”




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